quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

 HISTÓRIA
Doença de portos e cidades
Comparada com outras moléstias tropicais, a dengue é uma doença relativamente nova. As primeiras referências foram feitas por David Bylon sobre um surto em Java em 1779, e Benjamin Rush sobre uma epidemia na Filadélfia em 1780. No final do século XIX, a dengue já era reconhecida como uma doença de costas, portos e cidades, espalhando-se para o interior ao longo dos rios.
 Embora manifestações hemorrágicas já tivessem sido registradas em surtos em áreas não endêmicas na década de 20, foi somente nos anos 50 que a febre hemorrágica da dengue foi reconhecida como uma forma nova e mais grave da doença. Já a síndrome do choque hemorrágico da dengue surgiu de forma epidêmica pela primeira vez na Tailândia em 1958. Coube a Albert Sabin o isolamento pela primeira vez do vírus da dengue: o tipo I na área do mediterrâneo durante a II Guerra Mundial, e o tipo II na região do Pacífico. Posteriormente, foram isolados os tipos III e IV.
Em 1986, o vírus tipo 1 da dengue foi isolado, pela primeira vez no Brasil, pelo Departamento de Virologia da Fiocruz. O mesmo departamento também isolou os tipos 2 e 3 (associados às formas mais graves da doença) respectivamente em 1990 e 2001. Ainda não foram encontrados indícios do vírus tipo 4 no país, apesar de sua presença já ter sido constatada no norte da América do Sul e haver um alto risco de sua introdução em território brasileiro.

Combate sem trégua
O Aedes aegypti surgiu na África (provavelmente na região nordeste) e espalhou-se para Ásia e Américas, principalmente através do tráfego marítimo, acompanhando o homem em sua longa migração pelo mundo. No Brasil, chegou no período colonial com as embarcações que transportavam escravos, já que os ovos do mosquito podem resistir por até um ano, mesmo sem contato com a água, . Em 1850, ocorria a primeira epidemia de febre amarela no país, atingindo cerca de um terço dos moradores do Rio de Janeiro.


No início do século, Oswaldo Cruz lançava a campanha contra a febre amarela. Estruturada em moldes militares, seu alvo central era o Aedes aegypti. Enfrentou a oposição popular, mas sua persistência trouxe resultados: nos dois primeiros meses de 1907, apenas duas pessoas morriam de febre amarela. Contudo, como o mosquito não chegou a controlado em todo o país, logo voltou a se difundir, provocando nova epidemia na década de 20.
Em 1955, uma grande campanha realizada pela Organização Pan-Americana da Saúde erradicou o Aedes aegypti do Brasil e de diversos outros países americanos. No entanto, o mosquito permaneceu presente em várias áreas do continente, voltando a espalhar-se. No fim da década de 70, o Brasil novamente contava com a presença do vetor em suas principais cidades.
 Atualmente, a erradicação do Aedes aegypti é considerada praticamente impossível, devido ao crescimento da população e à ocupação desordenada e falta de infra-estrutura dos grandes centros urbanos. Isso se agrava pela intensa utilização de materiais não-biodegradáveis, como recipientes descartáveis de plástico e vidro. Assim, o máximo que se pode fazer é controlar a presença do mosquito.
SOBRE A DENGUE
A palavra dengue tem origem espanhola e quer dizer "melindre", "manha". O nome faz referência ao estado de moleza e prostração em que fica a pessoa contaminada pelo arbovírus (abreviatura do inglês de arthropod-bornvirus, vírus oriundo dos artrópodos).

Febre quebra-ossos
Febre quebra-ossos - o nome popular retrata, com fidelidade, a forma clássica da dengue, caracterizada por febre de início súbito, dores de cabeça, musculares, nos ossos e articulações, erupções na pele, coceira, prostração, vômitos, náuseas, diarréia, dores atrás dos olhos. Cinco a sete dias depois, no máximo em 10 dias, a pessoa fica curada. Dos infectados por um vírus da dengue, entre 20 e 50% vão desenvolver formas subclínicas da doença, isto é, sem apresentar sintomas.

A forma hemorrágica da dengue é uma forma grave da doença. No início os sintomas são iguais à dengue clássica, mas após ao 5° dia caracteriza-se por febre alta e hemorragias em vários órgãos, com freqüência acompanhadas por aumento do fígado. Nos casos mais moderados, todos os sintomas desaparecem após a febre ceder. Nos casos graves, a condição do paciente pode piorar rapidamente, com queda de temperatura e sinais de falência circulatória. O doente pode entrar em choque e, se não tratado, morrer em 12 a 24 horas.

A epidemia de dengue/dengue hemorrágico no município do Rio de Janeiro, 2001/2002.
O objetivo deste estudo foi avaliar a ocorrência dos principais sinais e sintomas dos casos de dengue clássico e dengue hemorrágico na epidemia de 2001-2002 do município do Rio de Janeiro. Foram analisados os 155.242 casos notificados ao Sistema de Informações de Agravos de Notificação, desde janeiro/2001, até junho/2002; deste total, excluindo-se os ignorados, 81.327 casos foram classificados como dengue clássico e 958 como dengue hemorrágico, com um total de 54 óbitos. Avaliaram-se as variáveis referentes à sintomatologia da doença. Manifestações gerais como febre, cefaléia, prostração, mialgia, náuseas e dor retro-orbitária tiveram alta incidência tanto no dengue clássico como no dengue hemorrágico. Por outro lado, manifestações hemorrágicas e algumas de maior gravidade como choque, hemorragia
digestiva, petéquias, epistaxe, dor abdominal e derrame pleural, estiveram significativamente associadas ao dengue hemorrágico. Além disso, a evolução do quadro clínico para o óbito foi 34,8 vezes maior no dengue hemorrágico que no dengue clássico (OR=34,8; IC 19,7-61,3).


MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo: O município do Rio de Janeiro possui uma população de 5.857.904 habitantes (IBGE, 2000). Constitui-se em um importante pólo turístico, além de político e econômico; o que favorece o aparecimento de novas doenças e a re-introdução de outras já erradicadas. O município possui elevado grau de desigualdade social com parte da população vivendo em condições precárias, como em áreas de favelas. Além disso, o Rio de Janeiro apresenta elevada densidade demográfica e sofre um processo de urbanização desordenada.

Coleta e análise do material: Neste estudo, analisaram-se 155.242 casos notificados pelo Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN), no período entre 1º de janeiro de 2001 e 22 de junho de 2002, fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS). Foram considerados apenas os casos classificados pelo SINAN como dengue clássico e dengue hemorrágico.

Análise de dados: A análise foi feita utilizando as variáveis referentes à sintomatologia, à evolução do quadro clínico (óbito), ao sexo e à idade em função do diagnóstico final, através dos programas. Foi utilizado o teste χ2 para diferença de proporções com nível de significância menor que 5% e cálculo do odds ratio (OR) com intervalo de confiança de 95%.


RESULTADOS

De acordo com o campo diagnóstico final (DIAGFINT) do banco de dados do SINAN foram classificados, segundo critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), 81.327 casos como dengue clássico, 958 como dengue hemorrágico, 1.448 casos descartados, 3.202 casos inconclusivos, 38.163 casos ignorados, além de 30.144 notificações sem nenhuma informação referente ao campo diagnóstico final. No campo evolução existia um total de 60 óbitos, dos quais 23 ocorreram no casos classificados como dengue clássico, 31 nos casos de dengue hemorrágico, além de 6 óbitos entre os casos descartados.

O gráfico 1 (Figura 1)  mostra que a sintomatologia mais freqüente nos casos de dengue clássico na epidemia de 2001/2002 no município do Rio de Janeiro foi: febre (98,8%), cefaléia (95,8%), mialgia (92,4%), prostração (90%), dor retroorbitária (82,5%), artralgia (76,4%) e náusea (70,8%).















O gráfico 2 (figura 2)  apresenta a sintomatologia dos casos de dengue hemorrágico. Os sinais e sintomas mais freqüentes são febre (99,2%), cefaléia (94,7%), mialgia (94,4%), prostração (91,9%), dor retro-orbitária (83,7%), náusea (81,9%) e artralgia (76%). É importante ressaltar que as manifestações hemorrágicas e de maior gravidade como dor abdominal (55,4%), petéquias (51,6%), hemorragia digestiva (37,6%), gengivorragia (34,6%), epistaxe (34,1%), choque (15,3%), hepatomegalia (6,4%), ascite (3,1%) e derrame pleural (3,1%) estiveram mais presentes nos casos de dengue hemorrágico. Avaliou-se também a chance de um indivíduo com dengue hemorrágico apresentar determinada sintomatologia em relação ao dengue clássico (Tabela 1).

Constatou-se que não houve diferenças significativas entre as manifestações gerais como: febre, cefaléia, dor retro-orbitária, mialgia, prostração e artralgia entre as duas apresentações da doença. Por outro lado, manifestações hemorrágicas e outras indicadoras de maior gravidade como náusea, dor abdominal, petéquias, epistaxe, gengivorragia, hepatomegalia, hemorragia digestiva, choque, ascite e derrame pleural estiveram mais presentes nos casos de dengue hemorrágico. Além disso, a evolução do quadro clínico para o óbito foi 34,75 vezes maior no dengue hemorrágico que no dengue clássico. A média das idades tanto nos casos de dengue clássico como nos de dengue hemorrágico foi de 32,8 anos. Não houve diferença significativa entre os sexos.
O gráfico 3 (figura 3) apresenta a evolução das principais epidemias de dengue ocorridas no município do Rio de Janeiro, sendo elas: 1986/1987 (introdução do sorotipo 1 do vírus); 1990/1991 (introdução e predominância do sorotipo 2); 2001/2002 (introdução e predominância do sorotipo 3). Constatou-se que, em um primeiro momento, logo após a entrada de um novo sorotipo, ocorreu um aumento da incidência da doença, em uma primeira fase de cada período epidêmico. Seguiu-se um período em que o número de casos reduziu-se drasticamente. Após este período, ocorreu um grande aumento no número de casos, coincidindo, aproximadamente, com o verão.

Ao contrair dengue, a pessoa fica imunizada para aquele sorotipo do vírus, mas não para os outros. A segunda infecção por qualquer sorotipo da dengue é, na maioria das vezes, mais grave do que a primeira, independentemente dos sorotipos e de sua seqüência. Mas os tipos 2 e 3 mostram-se mais virulentos. É importante lembrar, porém, que manifestações mais graves da dengue podem ocorrer na primeira infecção.
O  desenvolvimento de uma vacina contra dengue é difícil, porque qualquer um dos quatro sorotipos pode causar a doença e a proteção contra apenas um ou dois tipos pode aumentar o risco de uma forma mais grave da moléstia.

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